sábado, 28 de janeiro de 2012

Vidinha

Vidinha

Um pequeno passado
E um grande futuro
Alguns poucos passos
e muito para andar

Alguns poucos trajes
E tanto para vestir
Alguns poucos risos
E tanto para sorrir

Poucos verões e outonos
Poucas primaveras e invernos
Tão poucas luas

Tão cedo chegou o dia
Que logo se tornaria
O interromper da vidinha.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

O Fim do Mundo

Os Amigos

-Convidado para passar a noite no sitio do amigo por conta do horário e do transporte que só passava por aquelas bandas uma vez por dia e, mesmo assim, muito cedo, para poder voltar a cidade Antônio teria que se hospedar no sítio do seu amigo José, e, as cinco da manhã em ponto, ir para a frente da venda de seu João,que ficava próximo do sítio cerca de dois quilômetros.
Convite aceito, os amigos se reuniram para o jantar, Antônio estranhou ao ver a mesa tão farta, com tantos tipos de comidas diferente e pensou...
-Quantas pessoas viriam jantar ? Umas dez ? Talvez mais ? Parece que o José, além de mim, convidou todo o povoado,bem, deve ser uma festa e o José não me avisou.
-Engano seu, toda aquela comida seria só para ele e o José, parecia que tudo o que havia na dispensa estava na mesa, e José não havia esquecido de nada, até a salada era em grande quantidade.
-Antônio então não resistiu e perguntou...
-Mas para que tanta comida José ? é para um batalhão ?
-José respondeu simplesmente.
Medo.
-Medo de quê ?
Retrucou Antônio.
-As pessoas têm medo de bichos, ratos,cobras,insetos,e o que tem haver tanta comida assim com medo ?
Medo de morrer de fome dormindo.
-Respondeu José.
-Você está falando sério ?
-Diz Antônio.
-Ou é de brincadeira ? Sei, é de brincadeira.
-José olhou para Antônio com uma cara de reprovação que Antônio logo percebeu que José falava sério.
-Antônio ainda não acreditava e refletia.
-Ele disse mesmo que tinha medo de morrer de fome dormindo ? E por isso comia tanto antes de dormir ?
-Depois de alguns minutos de espanto, Antônio resolveu fazer o seu prato antes que José desse fim ao estoque de comida da casa.
-Logo José começou a se fartar com a comida, e Antônio, passou apenas a admirar a cena, José não parava nem para respirar, comia como se o Fim do Mundo fosse acontecer ali, e naquela noite.
-Bem.
-Pensou Antônio.
-Ao menos não há desperdicio de alimentos nesta casa.
-E José não parava a boca.
-Já satisfeito com a sua refeição, Antônio agora apenas apreciava a  comilança de José, que, ainda não satisfeito com tudo o que havia na mesa e que comeu, foi olhar as panelas no fogão e encontrou um caldo de carne que sobrara do almoço, José colocou o caldo para ferver, adicionou farinha, fêz um pirão e comeu.
-Enfim, terminado o jantar, após quase dua horas de uma bela demonstração de apetite, José mostrou a Antônio o quarto onde ele dormiria e foi para o seu quarto.

O Sítio.

-O sitio era daqueles bem simples,tinha luz elétrica, mas esse era um dos poucos luxos do lugar, a sala e a cozinha eram no mesmo ambiente, tinha uma geladeira que certamente José abastecia com frequência,um fogão, uma pia, um armário com utensílios de cozinha, uma televisão pequena que não servia de outra coisa se não de móvel pois era usada apenas como cabide de roupas, um rádio mudo, um sofá já bem usado, e nos outros dois ambientes que só se diferenciavam por haver em um deles, um outro armário, esse, com vários cobertores e lençóis, havia em ambos camas bem arrumadas e esse pareceu ser, a princípio, a melhor parte da casa.
-Como Antônio pode ver, José não era das pessoas mais bem interessadas em novidades, ou em notícias, ou mesmo em internet, não havia celular, e computador então, Antônio  achou que ele nem sabia o que era.
-Mas havia um outro lado, Antônio percebeu e ficou logo fascinado, pois com as luzes apagadas, pôde ver, por uma fresta no telhado, o clarão da lua e sentiu um silêncio inebriante, ouviu ao longe o coachar dos sapos e o cricrilar dos grilos que, numa sinfonia, mais parecia um convite a uma bela noite de sono e que Antônio, por conta da correria da cidade havia tempo não desfrutava, certamente aproveitaria, enquanto seu amigo José, bem, veremos.

O Pesadelo de José.

Era alta madrugada e a farta refeição de José parecia que começava a fazer efeito.
José ouviu um bater na porta alto e insistente,levantou mau humorado,xingando e reclamando de tudo e de todos,esbravejando.
- Quem será a uma hora dessas,seja quem for vai ouvir o que quer, o que não quer e mais algumas,vou xingar até o rastro desse miserável,desse desgraçado,isso são horas?
-José foi olhar pelo vidro da janela para ver se via alguma coisa,levou um susto,um relâmpago clareou a sala e até onde a vista alcançava,um trovão logo em seguida estremeceu até os ossos de José,o humor de José piorou.
O bater insistente na porta seguia,ele segurou o trinco da porta,respirou fundo,tentou lembrar dos piores xingamentos que já ouvira e decidiu, vou esculhambar e vai ser agora.

A Entidade

-Quando José abriu a porta deu de cara com uma "entidade",o susto foi maior do que o que sentira há pouco com o relâmpago. Os ossos de José voltaram a tremer quando o que parecia ser um homem alto e magro, vestindo o que parecia ser uma capa de chuva preta com um capus que lhe cobria a cabeça e que não permitia a José ver o seu rosto, trazia nas mãos uma foice longa e José concluiu.
Pronto, é a morte.
-É a morte, pensou ele, lembrou na hora de umas imagens que havia visto em umas revistas velhas que recebera como embrulho e de como seus conhecidos lhe diziam como a morte se trajava,  reconheceu convícto, é ela, a vestimenta batia, até a foice era igual.
-José Pensou.
Está perdoada,essa eu não xingo nem de madrugada, ainda mais de madrugada, aí é que não xingo mesmo.
Com a voz meio trêmula José arrancou de dentro de si um resto de forças que sobrou diante da pasmação e falou.
-Dona morte ? A senhora por aqui? A que devo a visita?
A entidade, que até então se mostrara sombria e assustadora, respondeu com uma voz que destoava de sua aparência sombria, era uma voz meio triste, meio perdida,como se a entidade vivesse sempre a responder essa mesma pergunta a toda hora, era uma voz como voz de alguém que parecia se lamentar.
-Mas enfim, veio a resposta para José.
-Não sou a morte.
-Disse o "visitante".
Não ?
-Respondeu José contrariado.
-Não.
-Disse a "visita" inesperada, e perguntou.
Posso entrar?
A cor de José que a essa altura estava parecendo branco neve, aos poucos foi voltando ao normal, sua fisionomia "tornou", como dizem lá no sítio.
Pode.
-Respondeu José.
Entre por favor.
-Porém a dúvida persisitia e José não se conteve e perguntou.
Mas se você não é a morte, quem é você?
-O Fim do Mundo.
-Respondeu a "visita".
O que?
-José se espantou novamente e seu coração veio até a boca e voltou, José insistiu,não acreditava no que acabara de ouvir.
O que disse ?
-Disse que não sou a morte,sou o Fim do Mundo.
-José olhou aquele ser da cabeça aos pés, analisou, se lembrou das imagens que fazia da morte e do que lhe diziam de como ela era e perguntou.
Mas, e essa roupa ? E essa foice na sua mão ? "Você" é igualzinho como me contaram ? Você é a morte todinha, escarrada e cuspida.
-Você foi enganado José.
-Respondeu a entidade.
-Mas a culpa não e sua, é que a morte sim, ela é uma invejosa,vive me imitando em tudo,até nas roupas.
-José então já não sabia mais nada. Há pouco havia levado dois sustos que lhe estremeceram os ossos. Mas era preciso saber e José insistiu.
Mas o que você é então seu Fim do Mundo ? E o que você está fazendo justamente aqui ? Na minha casa ? E a essa hora da noite ?
-Antes que o visitante respondesse José esbravejou.
Mas isso é o fim do mundo !!!
-Sou eu.
-Respondeu a entidade.
-José ficou ainda mais confuso.
Não, quero dizer, sei, é você, mas o quê ? Não, quero dizer,isso é impossivel!
-Não é impossivel José, eu estou aqui.
E o que você quer aqui ?
-Continuou José espantado
-Conversar.
-Respondeu a visita.
-Eu só quero conversar.
Conversar ? Mas você vem sabe-se lá da onde, numa noite de arrepiar os ossos e quer conversar ? comigo ? Mas isso é o fim do mundo!
-Esse sou eu José.
Deus do céu, valha-me São Pedro.
-Bateu o desespero em José!
Mas porque eu seu fim do mundo?
-O fim do mundo responde.
-Porque esses que você falou aí estavam ocupados, sabe como é né, eles têm muitos compromissos, não atendem a gente toda hora quando a gente precisa entende ?
-José sentenciou.
Não ? Não entendo não!
Mas me diga assim mesmo, quero dizer, o que você quer conversar comigo ? O que é ? Há, já sei,veio acabar o mundo e resolveu começar pelo meu sítio ? É isso ? Mas isso é uma covardia sem tamanho,tanto lugar por aí e o "senhor" vem logo para o meu sítio ?
-Não José.
-A entidade tenta esclarecer.
-Eu só quero conversar.
José ainda não acreditava no que ouvia e repete as perguntas.
Conversar ? Comigo ?
- Sim José, quero conversar com você.
Me desculpe "Dona Morte" mas acho que a senhora errou o endereço.
-Não sou a morte José.
Há, me desculpe.
-Por quê você acha que errei o endereço José?
Por quê ? ora uai, o quê você vai querer conversar com um matuto feito eu? Eu só sei plantar,esperar e colher.
-Isso mesmo José,você sabe de muita coisa.
Eu ?
-É,você José,você tem muita experiência no que faz,você conhece o tempo das chuvas,o tempo do estio,você sabe a melhor época de plantar,quando está bom para colher,você é um especialista no que faz,como todos os outros que conheço.
-E daí ? Que culpa eu tenho ? É isso ? Ser um especialista no que se faz agora virou crime ? Eu sempre achei que o que eu fazia era certo, aliás eu sempre quis saber plantar e colher, e hoje eu sei, o que é que tem de errado nisso ? onde foi que eu errei ? Jesus ?
-Você está certo José, não tem nada de errado em fazer bem o que se faz, em ser um especialista.
Não tem nada de errado ? Então o que você está fazendo aqui ?
-Eu já disse José, só quero conversar.

Os Entretantos, os Mas e os Poréns (E chega de repetir diálogos)

Então diga !
-Diz José já impaciente.
Fale, se você não veio aqui acabar o mundo, o que você disser eu escuto.
-O problema José, é que eu não sou um especialista.
Meu Deus! Diz José espantado.
-Já disse, "Ele" tava ocupado.
Não! Quero dizer,e daí,você não é um especialista e qual é o problema ?
-É que todo mundo que conheço é especialista no que faz José, e eu não, entendeu ?
-Seja um agricultor como você, seja um professor, um médico, um engenheiro ou um advogado, todos são especialistas no que fazem, menos eu.
-José pensou... Matutou...
Agora a vaca foi pro brejo e levou a boiada inteira.
Estou aqui em casa, com o fim do mundo vestido de morte, querendo conversar comigo porque ninguém dá bola pra ele.
José resolveu enfrentar a fera.
Mas afinal, você é ou não é o Fim do Mundo?
-Sou.
E o que você quer conversar comigo?
-Já disse José, preciso conversar com alguém.

O Desfecho da "Festa"

-José já não sabia mais o que pensar e notou que fazendo as mesmas perguntas o mundo iria se acabar e ele não teria outra resposta, José resolveu então segurar o que restava dos nervos e deixar o Fim do Mundo falar a vontade.
Então conte tudo, me diga, o que você quer ? e o que veio ver aqui ?conte tudo.

-Você ouve rádio José?
As vezes, lá na venda de seu João.
-Você vê tv José?
Televisão ?
-É José, televisão.
-Tenho tempo não, acordo as quatro da manhã tomo café e vou pro roçado,só chego de noite,tomo banho janto e vou dormir,isso todo santo dia, faça chuva ou faça sol, feriado, sábado ou domingo, tanto faz.
-Como pensei,então você não esta sabendo o que estão falando do fim do mundo.
Estão falando de você ?
-José compreendeu.
É, a língua do povo não perdoa ninguém mesmo.
Até de você estão falando ?
-José parou por um instante para refletir e pensou alto.
Mas se estão falando até do "senhor" seu Fim do Mundo, o que será que não andam falando de mim por aí ?
-E a visita puxava conversa.
-Estou vendo que você não tem internet em casa.
O quê?
Diz José.
-Internet José, você não tem ?.
Você tá falando de computador?
-Isso José,computador.
Olha Dona morte.
-José é interrompido na sua fala.
-Não José ! Não sou a morte, sou o Fim do Mundo !
Me desculpe de novo, deve ser essa sua roupa.
-Tudo bem José, você não é o único a se confundir.
Olha, seu Fim do Mundo,posso lhe chamar assim ou prefere outro tratamento.
-Tudo bem José.
Pronto, me diga, o que é que eu vou fazer com um computador, coisa que eu nem sei pra onde vai.
- Interagir José, socializar conhecimentos, lugares, falar mal de político,saber as novidades, essas coisas.
Olhe seu fim do mundo,quando eu quero saber as novidades,que são sempre as mesmas,eu vou na venda de seu João, que é um enrolão, por falar nisso não tome cachaça lá não,se quizer tomar umas tem uma vendinha na saída do povoado...
-O fim do mundo interrompe José.
-José !!!
Desculpe, como eu ia dizendo,quando quero saber as novidades eu vou tomar umas cachaças na venda de seu Jõao e ele me conta tudo,tome cuidado com ele,ele sabe da vida de todo mundo por aqui,tem gente que você nem imagina que deve a ele.
- Enfim o visitante reconhece.
-José, você não sabe mesmo o que estão falando do fim do mundo,do calendário Maia.
- José realmente não sabe do que se trata.
Mas veja você hein, até desse tal Maia e do calendário dele o povo tá falando ? Continue, eu já não me espanto mais é com nada.
-É isso José, o que está acontecendo é que todo mundo está falando de mim e eu não sei o que fazer.
E você precisa mesmo fazer alguma coisa ?
Perguntou o precavido José.
Você não acha melhor deixar isso pra lá não ?
Não que você seja uma pessoa ruim, entenda, não é isso sabe, uma pessoa que bota fim nas coisas, mas veja, isso é só a lingua do povo, igualzinho lá na venda de seu João.
-Eu não posso deixar para lá José,tem gente que acredita em mim.
-José parte para consolar o visitante.
Olha, você é uma pessoa de sorte, se é que você é uma pessoa, mas eu vivo querendo que os outros acredite em mim e não tem jeito,se eu digo que vai chover, você acredita que os outros só acreditam em mim se eu pagar umas cachacinhas pra eles ?
-Não é isso José, é que estão acreditando em mim, e pelo que estou vendo vai ser a minha primeira vez.
-Agora complicou. A "visita" complicou de vez o juizo do pobre do José.
Como é ? diga de novo ? Estão acreditando em você e você é virgem ?
-Não ! José ! Estão acreditando em mim e não sei acabar o mundo,eu nunca acabei um mundo, não sou um especialista entende ? Se eu fizer isso vai ser a minha primeira vez, vê meu problema agora ?
- José reflete mais uma vez.
E eu que achava que tinha problemas.
Tudo bem seu Fim do Mundo, o senhor venceu, eu reconheço,você tem problemas.
Quer uma água com açúcar ? Um chá ? Tem um chá aqui que é ótimo para os nervos, eu vou ver para senhor.
-Não José !
-Responde a entidade agora irritada.
-Eu sou o Fim do Mundo ! Eu lá sou gente de tomar chá ?
- Eu só quero saber o que é que eu faço ? E se eu errar José ? E se eu for acabar o mundo e o mundo não acabar ? As pessoas vão deixar de acreditar em mim, e se ninguém acreditar mais em mim ? Como é que eu vou ficar ?
-Uma coisa estava certa na cabeça de José que concluia:

Com o Fim do Mundo em crise e conversando essa conversa comprida, o mundo não vai acabar tão cedo.

-O galo cantou a plenos pulmões.

-José tomou outro susto,dessa vez ele acordou.
-Acorda José ! Vai trabalhar,esquece o Fim do Mundo.
-Pensa em fazer de cada amanhecer um novo começo, porque tudo tem um começo.
-E o fim ?
-O fim é quando acaba.







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